Romeo e Verônica em Petrópolis (sítio) 1973
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SONETOS
Num jardim adornado de verdura,
Que esmaltavam por cima várias flores,
Entrou um dia a deusa dos amores,
Com a deusa da caça e da espessura.
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Diana tomou logo uma rosa rupa,
Vênus um roxo lírio, dos melhores;
Mas excediam muito as outras flores
As violas na graça e formosura.
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Perguntam a Cupido, que ali estava
Que daquelas três flores tomaria
Por mais suave e pura, e mais formosa.
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Sorrindo-se o menino lhe tornava;
- Todas formosas são; mas eu queria
Viola antes que lírio, nem que rosa.
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De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento;
Não sei para que é ter contentamento,
Se mais há de perder quem mais alcança.
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Mas dou-vos esta firme segurança;
Que posto que me mate o meu tormento,
Por as águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.
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Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com coisa outra alguma se contentem;
Antes os esqueçais que vos esqueçam.
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Antes nesta lembrança se atormentem
Que com esquecimento desmereçam
A glória que em sofrer tal pena sentem.
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O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.
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Amor ali , que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razão me salteava.
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Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, não sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,
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Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.
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Já tempo foi que meus olhos folgavam
De ver os verdes campos graciosos;
Tempo foi já também que os sonorosos
Ribeiros meus ouvidos receavam.
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Foi tempo que nos bosques me alegravam
Os cantares das aves saudosos
Os freixos e os altos alamos umbrosos
Cujos ramos por cima se juntavam.
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Permanecer não pude em tal folgança,
Não me pode durar esta alegria,
Não quis este meu bem ter segurança.
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Ainda eu neste tempo não sentia
Do fero amor a força e a mudança
Os laços e as prisões com que prendia.
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Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor dela não sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.
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Os montes parecia que abalava
O triste som das magoas que dizia;
Mas nada o duro peito comovia,
Que a vontade de outro posto estava.
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Cansado já de andar pior a espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança,
Escreve estas palavras de tristeza;
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"Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza."
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Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo das alturas dos rochedos;
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Silvestres montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que sem licença de meu mal
Já não podeis fazer meus olhos ledos.
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E pois já me não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vem.
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Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.
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Quem fosse acompanhado juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que depois de perder um bem que tinha,
Não sabe mais que coisa é ser contente!
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E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!
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Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo,
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento.
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Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, em fim, lhe falte o mundo!
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Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
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É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não-contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
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É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
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Mas como causar pode o seu favor
Não mortais corações conformidade,
Sendo a si tão contrário o mesmo Amor?
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O céu, a terra, o vento sossegado,
As ondas que se estendem por areia,
Os peixes que no mar o sono enfreia,
O noturno silêncio repousado;
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O pescador Aônio que, deitado
Onde com o vento a água se maneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado;
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"Ondas (dizia) antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita."
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Ninguém responde; o mar de longe bate;
Brandamente o arvoredo;
Lava-lhe o vento a voz, quando o vento deita.
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Cá nesta Babilônio d'donde mana
Matéria a quanto mar o mundo cria;
Cá d'onde o puro amor não tem valia,
Que a mãe, que manda mais tudo profana;
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Cá d'onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá d'onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
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Cá neste labirinto onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da cobiça e da Vileza;
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Cá neste escuro caos de confusão
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê-se me esquecerei de ti, Sião!
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Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me, tão entregue ao meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
andar sempre dos homens apartado,
E de humanos comércios esquecido.
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Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, e enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.
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Vá revolvendo a terra, o mar, e o vento,
Honras busque e riquezas a outra gente,
Vencendo ferro, fogo e calma.
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Que eu por amor somente me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso formoso gesto dentro da alma.
Luis de Camões
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