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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

CANTANDO ESPALHAREI - Por Camões


De Os Lusíadas
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As armas e os brasões assinalados 
Que da ocidental praia Lusitana, 
Por mares nunca de antes navegados, 
Passaram ainda além da Taprobana, 
E em perigos e guerras esforçados 
Mais do que prometia a força humana, 
Entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram; 
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E também as memórias gloriosas 
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
 De África e de Ásia andaram devastando; 
E aqueles que por obras valerosas 
Se vão da lei da morte libertando; 
Cantando espalharei por toda a parte, 
Se a tanto me ajudar o engenho e arte. 
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Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram, 
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram; 
Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Netuno e Marte obedeceram; 
Cesse tudo o que a Musa antiga canta, 
Que outro valor mais alto se alevanta. 
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E vós, Tágides minhas, pois criado 
Tendes em mim um novo engenho ardente, 
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente, 
Dai-me agora um som alto e sublimado, 
Um estilo grandíloquo e corrente, 
Porque de vossas águas Febo ordene 
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
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Dai-me uma fúria grande e sonora, 
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa, 
Que o peito acende e a cor ao gesto muda; 
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanta ajuda; 
Que se espalhe e se cante no universo, 
Se tão sublime preço cabe em verso. 
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E vós, ó bem nascida segurança 
Da Lusitana antiga liberdade, 
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade, 
Vós, ó novo temor da Maura lança, 
Maravilha fatal da nossa idade, 
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande 
Para o mundo a deus dar parte grande; 
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Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente, 
Cesárea ou Cristianissima chamada, 
- Vede-o no vosso escudo, que presente 
Vos amostra a vitória já passada, 
Na qual vós deu por armar e deixou 
As que ele para si na Cruz tomou - ; 
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Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol logo em nascendo vê primeiro, 
Vê-o também no meio do Hemisfério, 
E quando desce o deixa derradeiro; 
Vós, que esperamos jugo e vitupério 
Do torpe Ismaelita cavaleiro, 
Do Turco Oriental, e do Gentio 
 Que inda bebe o licor do santo Rio. 
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Inclinai por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto vos contemplo, 
Que já se mostra qual na inteira idade 
Quando subindo ireis ao eterno Templo; 
Os olhos da real benignidade
Ponde no chão pátrios feitos valerosos
Em versos divulgado numerosos; 
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Vereis amor da pátria não movido
De prêmio vil, mas alto e quase eterno, 
Que não é prêmio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno. 
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem é mais excelente, 
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente. 
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Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, 
Fantásticas, fingidas, mentirosas, 
Louvar os vossos, como nas estranhas
Musas, de engrandecer-se desejosas; 
As verdadeiras vossas são tamanhas, 
Que excedem as sonhadas, fabulosas; 
Que excedam Rodamonte, e vão Rugeiro, 
E Orlando, ainda que fora verdadeiro. 
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Por estes vos darei um novo fero,
Que fez ao Rei, e ao Reino tal serviço: 
Um Egas, e um Dom Fuas que Homero
A citara para eles só cobiço; 
Pois pelos doze pares dar-vos quero
Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço; 
Dou-vos também aquele ilustre Gama, 
Que para si de Eneas toma a fama. 
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Pois se o troco de Carlos, Rei de França, 
Ou César, quereis igual memória, 
Vê-de o primeiro Afonso, cuja lança
Escura faz qualquer estranha glória, 
E aquele que a seu reino a segurança
Deixou com a grande prospera vitoria, 
Outro Joanne, invicto cavaleiro, 
O quarto e quinto Afonsos e o terceiro. 
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Não deixarão meus versos esquecidos
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora
Se fizeram por armas tão subidos, 
Vossa bandeira sempre vencedora; 
Um Pacheco fortíssimo, e os temidos 
Almeidas por quem sempre o Tejo chora, 
Albuquerque terríbil, Castro forte, 
E outro em quem poder não teve a morte. 
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E enquanto eu estes canto, e a vós não posso,  
Sublime Rei - que não me atrevo a tanto -, 
Tomai as rédeas vós do reino vosso; 
Dareis matéria a nunca ouvido canto. 
Comecem a sentir o peso grosso
- Que pelo mundo todo faça espanto -
De exercícios e feitos singulares
De África as terras e do Oriente os mares. 
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Em vós os olhos tem o Mouro frio, 
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado. 
Tétis todo e cerúleo senhorio
Tem para vós por dote aparelhado, 
Que afeiçoa ao gesto belo o tenro
Deseja de comprar-vos para genro. 
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Em vós se vem da Olímpica morada
Dos dous avós as almas cá famosas, 
Uma na paz angélica dourada, 
Outra pelas batalhas sanguinosas; 
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas, 
E lá vos tem lugar, no fim da idade, 
No Templo da suprema eternidade. 
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Mas enquanto esse tempo passa lento
De regerdes os povos que o desejam, 
Dai vós favor ao novo atrevimento, 
Para que estes meus versos vossos sejam, 
E vereis ir cortando o salso argento
Os vossos Argonautas, porque vejam
Que são vistos por vós no mar irado, 
E costumai-vos já a ser invocado. 
                                          Camões
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Nicéas Romeo Zanchett 

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