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domingo, 28 de setembro de 2014

SONETOS - Por Luis de Camões

Romeo e Verônica em Petrópolis (sítio) 1973 
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SONETOS 
Num jardim adornado de verdura, 
Que esmaltavam por cima várias flores, 
Entrou um dia a deusa dos amores, 
Com a deusa da caça e da espessura. 
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Diana tomou logo uma rosa rupa, 
Vênus um roxo lírio, dos melhores; 
Mas excediam muito as outras flores
As violas na graça e formosura. 
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Perguntam a Cupido, que ali estava
Que daquelas três flores tomaria
Por mais suave e pura, e mais formosa. 
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Sorrindo-se o menino lhe tornava; 
- Todas formosas são; mas eu queria 
Viola antes que lírio, nem que rosa. 

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De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento; 
Não sei para que é ter contentamento, 
Se mais há de perder quem mais alcança. 
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Mas dou-vos esta firme segurança;
Que posto que me mate o meu tormento, 
Por as águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança. 
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Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com coisa outra alguma se contentem; 
Antes os esqueçais que vos esqueçam. 
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Antes nesta lembrança se atormentem
Que com esquecimento desmereçam 
A glória que em sofrer tal pena sentem. 
O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava. 
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Amor ali , que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura, 
Com uma rara e angélica figura
A vista da razão me salteava. 
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Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, não sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,
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Deixei-me cativar; mas hoje vendo, 
Senhora, que por vosso me queria, 
Do tempo que fui livre me arrependo. 

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Já tempo foi que meus olhos folgavam
De ver os verdes campos graciosos; 
Tempo foi já também que os sonorosos
Ribeiros meus ouvidos receavam. 
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Foi tempo que nos bosques me alegravam 
Os cantares das aves saudosos
Os freixos e os altos alamos umbrosos
Cujos ramos por cima se juntavam.
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Permanecer não pude em tal folgança, 
Não me pode durar esta alegria, 
Não quis este meu bem ter segurança. 
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Ainda eu neste tempo não sentia 
Do fero amor a força e a mudança
Os laços e as prisões com que prendia. 

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Todo animal da calma repousava, 
Só Liso o ardor dela não sentia; 
Que o repouso do fogo, em que ele ardia, 
Consistia na Ninfa que buscava. 
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Os montes parecia que abalava
O triste som das magoas que dizia; 
Mas nada o duro peito comovia, 
Que a vontade de outro posto estava. 
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Cansado já de andar pior a espessura, 
No tronco de uma faia, por lembrança, 
Escreve estas palavras de tristeza; 
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"Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza."

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Alegres campos, verdes arvoredos, 
Claras e frescas águas de cristal, 
Que em vós os debuxais ao natural, 
Discorrendo das alturas dos rochedos; 
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Silvestres montes, ásperos penedos 
Compostos de concerto desigual; 
Sabei que sem licença de meu mal
Já não podeis fazer meus olhos ledos. 
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E pois já me não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas, 
Nem águas que correndo alegres vem. 
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Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas, 
E nascerão saudades de meu bem. 

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Quem fosse acompanhado juntamente 
Por esses verdes campos a avezinha, 
Que depois de perder um bem que tinha, 
Não sabe mais que coisa é ser contente! 
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E quem fosse apartando-se da gente, 
Ela por companheira e por vizinha, 
Me ajudasse a chorar a pena minha, 
E eu a ela também a que ela sente! 
Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo, 
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento. 
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Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento, 
E para tudo, em fim, lhe falte o mundo! 

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Amor é um fogo que arde sem se ver; 
É ferida que dói e não se sente; 
É um contentamento descontente; 
É dor que desatina sem doer; 
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É um não querer mais que bem querer; 
É solitário andar por entre a gente; 
É um não-contentar-se de contente; 
É cuidar que se ganha em se perder; 
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É um estar-se preso por vontade; 
É servir a quem vence o vencedor; 
É um ter com quem nos mata lealdade. 
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Mas como causar pode o seu favor
Não mortais corações conformidade, 
Sendo a si tão contrário o mesmo Amor? 

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O céu, a terra, o vento sossegado, 
As ondas que se estendem por areia, 
Os peixes que no mar o sono enfreia, 
O noturno silêncio repousado; 
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O pescador Aônio que, deitado
Onde com o vento a água se maneia, 
Chorando, o nome amado em vão nomeia, 
Que não pode ser mais que nomeado; 
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"Ondas (dizia) antes que Amor me mate, 
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita." 
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Ninguém responde; o mar de longe bate; 
Brandamente o arvoredo; 
Lava-lhe o vento a voz, quando o vento deita.

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Cá nesta Babilônio d'donde mana
Matéria a quanto mar o mundo cria;
Cá d'onde o puro amor não tem valia,
Que a mãe, que manda mais tudo profana; 
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Cá d'onde o mal se afina, o bem se dana, 
E pode mais que a honra a tirania; 
Cá d'onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana; 
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Cá neste labirinto onde a Nobreza, 
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da cobiça e da Vileza; 
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Cá neste escuro caos de confusão
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê-se me esquecerei de ti, Sião!

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Julga-me a gente toda por perdido, 
Vendo-me, tão entregue ao meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado, 
E de humanos comércios esquecido. 
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Mas eu, que tenho o mundo conhecido, 
E quase que sobre ele ando dobrado, 
Tenho por baixo, rústico, e enganado
Quem não é com meu mal engrandecido. 
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Vá revolvendo a terra, o mar, e o vento,
Honras busque e riquezas a outra gente, 
Vencendo ferro, fogo e calma. 
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Que eu por amor somente me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso formoso gesto dentro da alma. 
Luis de Camões 








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