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domingo, 14 de setembro de 2014

O DIA DE CAMÕES - Por Tobias Barreto


                 Com os heróis da humanidade, com aqueles a quem coube a tarefa hercúlea de representar dignamente qualquer dos lados brilhantes da natureza humana, dá-se o mesmo , exatamente o mesmo que com os festejados heróis da velha Igreja; o dia em que nascem não é mais fausto e glorioso  do que o dia em que morrem. O nascer e o morrer mal se distinguem, se é que alguma distinção existe ente o momento expressivo, no qual o elemento divino de uma nacionalidade, o verdadeiro espírito de um povo se faz homem e não menos soberbo momento, em que esse homem se faz deus!... Nós hoje testemunhamos, sob a garantia de três séculos de admiração e preito incessante, a esplêndida confirmação de uma destas apoteoses.
                 A gratidão, já houve quem dissesse, a gratidão é a virtude da posteridade. O assento é incontestável, como expressão de um fato conhecido, ainda que sempre estranho e pasmo, qual é por certo o pungente espetáculo, oferecido pela história de todos os povos que tem uma história, de ser quase sempre reservada aos pósteros a missão nobilitante de lavar a mácula dos seus antepassados, honrando virtudes que eles desprezavam, glorificando grandezas que eles não compreenderam. Porém, não basta estabelecer o fato; é preciso subir à concepção da lei. Não basta dizer que a gratidão é a virtude da posteridade; é mister acrescentar que só a posteridade, somente ela, pode pagar o tributo devido ao mérito dos grandes homens. É o efeito de uma lei histórica, pela qual homens representativos, por isso mesmo que eles são a soma do trabalho evolucional de muitas gerações, não poem ser compreendidas, e tão pouco apreciados por aqueles de que fazem parte. 
                
>>>>>>>"O gênio, diz Schopenhauer, é demasiado raro para encontrar com facilidade seus iguais, e muito diverso dos outros, para ser seu companheiro".  <<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<
Dai o isolamento, com o isolamento a tristeza, com a tristeza a inação, com a inação a miséria. A luz do gênio é sempre incômoda aos olhos dos que de perto e face a contemplam. 
                 E nesse sentido, são dignas de de repetirem-se as palavras de Chanfort: 
                 -"Il  en este de la valeur des hommes comme de celle des diamans qui, à une certaine mesure de grosseur, de pureté, de perfection, ont un prix fixe et marqué, mais qui, par de là cette mesure, restent sans prix, et ne trouvent pasd'acheuter." 
                O poeta Luis de camões possuia esse valor. 
A ocasião é chegada de absolver Portugal da culpa que se lhe ague, pela morte obscura e mesquinha do maior vulto das suas letras, do único busto não estragado nem inutilizado pela mão do tempo na sua vasta galeria de heróis.
                 A geração que viu Camões, não estava no caso de render uma homenagem, que três séculos posteriores não puderam esgotar, não deram por acabada. 
                 "In quello stesso tempo, diz Luigi Settembrini..., che il Tasso era chiuso fra i mattei nell'ospedale de Ferrara, nell'ospedale de Lisbornna moriva um mendico vecchio soldato portoghese, il poeta Luigi de Camoens; questi due sventurati erano nel seculo gli nomini piu grandi delle loro nazzione."
                  Eu não reclamarei para o português a precedência do infortúnio, nem também contestar que fossem justamente os dois infelizes os maiores homens de suas nações. 
                 Mas, mesmo assim, é lícito observar que o  cantor de Amida, além de pisar o mesmo solo que pisaram Savonarola e Giordano Bruno, além de já encontrar  circulando por toda a Itália o capital de ideias novas, acumulado em Florença por "Laurenzo, il magnífico", e mais tarde na corte dos papas por Júlio II e Leão X, teve a sorte de conviver com espíritos de alta esfera; e na própria corte de Ferrara pode ele complementar, na pessoa de Olímpia Morata, todos os esplendores da ciência do tempo. 
                  Na contenda provocada pela Gerusalemme com Leonardo Salviati e Bastiano de Rossi,  já via-se figurar um Galileu Galilei... 
                  Mas o cantor de Ignez de Castro dizia: "mas o velho soldado português que é que teve em torno de si? Quase ninguém." 
                  Posto que legítimo filho da Renascença, que fora, na bela frase de George Sand, a ressurreição da carne, Camões não encontrará, não pudera encontrar no ambiente pátrio as facilidades, os incentivos, os ímpetos e arroubos da pagânica vida italiana de então. 
A atmosfera política e social portuguesa podia ser bem favorável ao arfar dum peito de soldado; mas não era das mais aptas para fazer ressoar o coração dum poeta.  Compreende-se, portanto, de que tamanho deve ter sido esta alma de guerreiro, que excede a  sua época e o seu país, que excede-se a si mesmo, para legar à pátria o mais rico monumento de suas glórias, a famosa epopeia dos "Lusíadas", esse livro que vale cem batalhas, ainda mesmo coroadas de vitorias e conquistas. 
                   Camões foi um solitário, e da mais triste das solidões: as solidões do pensamento. O seu contemporâneo Ronsard, morto cinco anos depois dele, foi reformador e revolucionário das letras; escreveu uma vez o seguinte : 
                   "Ajourd'hui pour ce que notre France n'obeit qu'à un seul rei, nous sommes contraits, si nous voulons parvenir honneur, de parlerson langage." 
                   Entretanto, a Camões não coube igual destino. 
                   As cortes de João III, de catarina e Sebastião não eram tais, que tivessem uma linguagem sua, e os grandes espíritos se vissem constrangidos ao uso dela.  pelo contrário, o poeta houve mister de criar uma própria. De criar! ...
Dir-se-ia uma exageração, mas não o é.
                   Dar a uma língua,como f~e-lo o épico português, uma afeição acentuada e característica, escultural, por assim dizer, nas formas eternas da poesia, vazar em moldes homéricos uma das faces do seu desenvolvimento, é ainda um modo de criação, é criá-la pela segunda vez. Qualquer que seja a sua procedência, e o seu modo de herança e adaptação, a língua é um daqueles bens, de que fala Goethe, que, mesmo herdados, devem ser de novo adquiridos, para se possuir. Ninguém melhor que camões adquiriu de novo  esse bem, herdado de seus pais, afim de possuí-lo, e tornar-se com ele e por ele o imorredouro pregão do ninho seu paterno.  Na festa secular do natalício de Schiller em Novembro de 1859 dizia Jacob Grimm: 
                   "Quem estuda e perscruta a história deve reconhecer a poesia como uma das alavancas poderosas para a elevação do gênero humano, como uma exigência essencial do seu impulso e do seu progresso. 
                   Porquanto, se a língua própria de um povo é o tronco, em que se manifestam e se expandem todos os seus dotes interiores, é só na poesia que desabrocha a florescência do seu crescer e do seu prosperar. A poesia é aquilo, não só por cujo meio a língua se nos torna cara, mas também em que ela se afeiçoa e se entumece, de uma espécie de aroma espiritual, que dela ressumbra. A língua de um povo que não tem poetas estaca e começa poco a pouco a fenecer como o povo mesmo, a quem não coube em partilha esse entusiasmo; fraco e retraído ele aparece diante dos outros que gozam dessa delícia. O poeta é, pois, aquele em quem se exprime e se encarna a natureza completa do povo, a que ele pertence, é como o gênio no qual a posteridade o encara. 
                   Estas palavras assentam em cheio no vulto grandioso, cuja memória hoje se festeja. Todos nós sabemos o que é e o que vale Portugal pelos Lusíadas; é, porém, difícil de imaginar o que seria Portugal sem eles...
                  Conta-se de Kossuth, o célebre húngaro, que no ano de 1849, em chegando a Londres, causou pasmo geral pela magistral facilidade com que falava a língua do país; aumentando ainda mais o entusiasmo com a singela declaração de que havia bebido o seu inglês somente em Shakespeare!... Eu não sei se os há; mas não seria para admirar  que estrangeiros também houvesse, que haurissem o seu português... somente em Luis de camões. Este único ponto de apreciação do poeta, quando tudo mais ficasse de parte, seria suficiente para explicar a justificar o preito que lhe rendemos. Nós outros, que iniciamos a nossa vida intelectual nos frutos da vida intelectual portuguesa, não fazemos mais do que cumprir um dever de homens cultos, pagando ao vate português, ao primeiro cantor da civilização moderna, o tributo a que tem direito. E depois de ajoelhar-mo-nos diante da sua imagem, oxalá possamos reforçar com tão nobre exemplo o sentimento da grandeza humana, guardando no peito, como impressão do fenômeno, a convicção sincera de que, como disse Schiller: 
"De todos os bens da vida
A glória é o mais alto bem,
O corpo ha muito que é poeira
E o nome ecoa ainda além!..." 
                 
BREVE BIOGRAFIA de Tobias Barreto
                

                  Tobias Barreto de Menezes, poeta e prosador brasileiro, nasceu na vila de campo, de Sergipe, a 7 7 de junho de 1839, e faleceu na capital de Pernambuco a 26 de junho de 1889. Estudou as primeiras letras na terra natal, completando os seus estudos em Estância, Lagarto, Bahia e Pernambuco. O magistério foi o seu modo de vida mais constante. Formado em advocacia em 1871, passou a viver desse ofício. Foi filósofo, poeta, escritor e jurista fervoroso. Membro da Academia Brasileira de Letras onde ocupava a cadeira 38. Os seus escritos estão reunidos sob os títulos: Dias e Noites, poesias; Estudos alemães; Questões vigentes, estudos de Direito; Teses; Vários escritos; Discursos; Polêmicas, etc. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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