Dos cantos III e VIII dos lusíadas
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Já tinha vindo Henrique da conquista
Da cidade Hierosolima sagrada,
E do Jordão a areia tinha vista,
Que viu de Deus a carne em si lavada;
Que não tendo Gothfredo a quem resista,
Depois de ter Judeia subjugada,
Muitos que nestas guerras o ajudaram,
Para seus senhorios se tornarem.
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Quando chegado ao fim da sua idade,
O forte, e famoso Húngaro estremado,
Foçado da fatal necessidade,
O espírito deu a quem lho tinha dado;
Ficava o filho em tenra mocidade,
Em quem o pai deixava seu translado,
Que no mundo os mares fortes igualava;
Que de tal pai, tal filho se esperava.
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Mas o velho rumor, não sei se errado,
Que em tanta antiguidade não há certeza,
Conta, que a mãe tomando todo o Estado,
Do segundo himeneu não se despreza.
O filho órfã deixava deserdado
Dizendo que nas terras a grandeza
Do senhorio todo só sua era,
Porque para casar seu pai lhas dera.
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Mas o príncipe Affonso, que desta arte
Se chamava, do avô tomando o nome,
Vendo-se em suas terras não ter parte,
Que a mãe com seu marido as manda, e come;
Fervendo-lhe no peito o duro Marte,
Imagina consigo como as tome;
Resolvidas as coisas do conceito,
Ao propósito firme segue o afeto.
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De Guimarães o campo se tingia
Com o sangue próprio da intestina guerra,
Onde a mãe, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor, e a terra,
Com ele posta em campo já se via;
E não vê a soberba o muito que erra
Contra Deus, contra o maternal amor;
Mas nela o sensual era maior.
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Oh Progne crua! ho mágica Medea!
Se em vossos próprios filhos vos vingais
Da maldade dos pais, da culpa alheia,
Olhai, que ainda Teresa peca mais.
Incontinência má, cobiça feia.
São as coisas desse erro principais;
Oscila por uma mata o velho pai
Esta por ambos contra o filho vai.
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Mas já o príncipe claro o vencimento
Do padrasto, e da iníqua mãe levava,
Já lhe obedece a terra num momento,
Que primeiro contra ele pelejava;
Porém, vencido de ira o entendimento,
A mãe em ferros ásperos atava;
Mas de deus foi vingada em tempo breve;
tanta veneração aos pais se deve!
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Eis se ajunta o soberbo castelhano,
Para vingar injúria de Teresa,
Contra o tão raro em gente Lusitano,
A quem nenhum trabalho agrava ou pesa,
Em batalha cruel o peito humano,
Ajudada da angélica defesa,
Não só contra tal fúria se sustenta,
Mas o inimigo aspérrimo afugenta.
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Pesquisa e postagem > Nicéas Romeo Zanchett
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